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sábado, 16 de março de 2013

Interações dialógicas e construção do conhecimento

Esse artigo escrito em 2009 é pura interação dialógica, resultado de várias leituras minhas e do André, conversas no bosque da PUC-Rio, sonhos que se transformaram no de uma plataforma de informação e disseminação da cultura (música, fotografia, filme, artes plásticas e artigos científicos). Um artigo científico na mão de um poeta virou música.http://www.youtube.com/watch?v=0kXOMoV8qIA

 "A aprendizagem e a construção do conhecimento são, pois, concebidos como aspectos integrantes da prática. Prática em articulação com a teoria, aliando sonho e ação"
 

Interações dialógicas e construção do conhecimento

André Moura e Elisângela Alves
Cátedra UNESCO PUC-Rio de Leitura
                                                                
                                                                

A condição da existência humana no mundo nos impele a trafegar constantemente em instância dialógica. O indivíduo em interação com a natureza, em integração com a cultura, em debate com seus anseios reprimidos e desejos manifestos. O ser em embate com o transcendente, em xeque com o incognoscível, em diálogo com o outro... A relação entre as dimensões da identidade e da alteridade se dá na mesma clave que trama e urdidura no tear. Identidade e alteridade em um tecido bem trançado, pois o que seria a relação com o outro senão a relação com si mesmo? Com as devidas lacunas a serem preenchidas de modo incessante.  
Cumpre recordar que a relação do homem com este mundo dialógico que o cerca – em eterna busca do conhecimento – acontece por intermédio de sua interação com a linguagem. É a  palavra que nomeia a realidade, organiza o questionamento, que desconstrói a realidade por ela anteriormente nomeada. Viver em uma sociedade que transmite a produção de seu conhecimento através da palavra falada, escrita, sinalizada ou transmitida por pixels é ler nas entrelinhas o reiterado plano da dualidade. Como uma ponte, para se construir um diálogo, há que se ter dualidade: duas margens, duas pontas.  Duas perspectivas, dupla porta. Entreaberta. Sob o signo do sentido bífido, travam contato tanto dualidade quanto duplicidade.
Como se puxássemos o fio de metafórica meada, vale convocarmos o “cantor da polifonia” Mikhail Bakhtin. Segundo o pensador russo “toda palavra comporta duas faces”. A face de partida, palavra emitida e a face de chegada, palavra do destinatário. A troca – em diálogo – com o outro se expande em uma relação com os indivíduos mas também fenômenos, com os objetos, o mundo é o interlocutor. Outro trecho luminar do pensamento de Bakhtin “toda palavra serve de expressão de um em relação ao outro. Através da palavra defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade.” Poderíamos inferir que a relação dialógica guardaria em si uma dimensão triádica, na qual o terceiro elemento é a coletividade? Sabemos que o diálogo é composto do falante, do interlocutor e da língua, ou melhor, num sentido mais abrangente, da linguagem. Em realidade, Bakhtin reforça que o dialogismo se insere em uma perspectiva sociocultural. Ou seja, o falante estabelece um “contrato” com o interlocutor, que influenciará o locutor, que terá seu enunciado alterado tanto na organização quanto na estrutura.          
A literatura, a arte, de modo geral, é prolífica em apresentar personagens em conflito com a sombra, com o espelho, com o reflexo, a alma, o outro. Alice através do espelho; Dorian Gray e seu retrato; a rainha-madrasta de Branca de Neve e o seu espelho bancando o oráculo e por que não? – considerando a vaidade como vereda do destino – verdadeiro algoz? Narciso encantado pelo próprio reflexo – fundador da auto-consciência – ou a nova teoria da alma humana, no prisma de Machado; e Guimarães Rosa, para citar apenas uma de suas “estórias”, ao engendrar seu diálogo de espelhos,  peça de ourivesaria espelhada no conto do Mestre, estilhaçando-nos com sua pergunta: “– Você chegou a existir?” Seriam infindáveis os exemplos do espelho como espaço de experimentação. Outras vezes é o interlocutor que se assemelha ao reflexo, induzindo à reflexão por parte do locutor, nos diálogos que tanto podem ser duetos ou duelos. A boneca Emília e o sábio sabugo Visconde; Édipo e a esfinge; Caim e Abel; a presença do outro que faz as vezes de comparsa, de cúmplice, na condição de contraponto, numa interação dialógica da voz e com sua contraluz.
Para a construção do conhecimento, todo e qualquer conhecimento, é necessário o conhecimento do outro, a consciência do saber diverso que o interlocutor traz é básico, é ponto de partida para adenar o argumento. Tão fundamental ao pensamento, pois é na relação de alteridade que se instala a crítica, é o crítico (que pode ser o auto-crítico) que instaura a perspectiva responsável pela justa medida. Pois o pensamento pode ser embriagante, entorpecedor, alienante como na alegoria platônica d´O mito da caverna. Nunca é demais resgatar uma boa história, fábula ou mito. A parábola escrita pelo filósofo em “A República”, além de sua discussão central entre essência e aparência, discute a importância do diálogo, da alteridade, da opinião dissonante no processo epistemológico. Recordando aquele único habitante da caverna  que se liberta dos grilhões e que, após ver a luz e a realidade fora da caverna, entra em contato com a verdade filosófica por oposição às crenças e superstições, é o diálogo com esta outra realidade que faz que ele construa um novo paradigma. E supondo o seu retorno a fim de libertar seus companheiros, o embate com os ainda acorrentados é uma interação dialógica que pode fazer com que ele reforce sua filosofia ou mesmo a descarte.          
O dialogismo que tanto ocorre na dimensão ontológica, enquanto fenômeno, voltado para o sujeito e também em nível epistemológico, quanto existe como conceito, direcionado para o objeto pode ser capaz que atender problematizações que ultrapassam processos lineares ou linearizantes, analíticos, que não operam na interface, reduzindo a complexidade pós-moderna. O dialogismo, o diálogo compreendido de forma plural enquanto locus e processo de construção intersubjetiva de sentidos. São as várias vozes que dão ao saber um caráter polifônico que começa a se aproximar do que a realidade encerra. A aprendizagem e a construção do conhecimento são, pois, concebidos como aspectos integrantes da prática. Prática em articulação com a teoria, aliando sonho e ação.

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